Fez, na semana passada, um ano que recebi o meu diagnóstico.
Lembro-me bem desse dia, mas não o quis assinalar oficialmente por não ser uma data que deseje relembrar ou marcar.
Eu bem recordei, para mim mesma apenas, aquele dia. Mas às páginas tantas, parece que cada vez que nós, doentes oncológicos, falamos da doença; os outros já não querem ouvir ou fazem um esforço para o fazer. É claro que sei que não é por mal que o fazem, é apenas e simplesmente por quererem acreditar que foi apenas uma fase, já passou e agora querem ver-nos a sorrir e a continuar a viver, quase como se nada tivesse acontecido…
Mas a verdade é que aconteceu, e muito. Há vida após o cancro? Claro que sim! Mas nunca mais será a mesma. E a principal razão disso, nem é o facto de sermos doentes sem qualquer previsão ou certeza do futuro, mas antes o que aquele dia nos fez… o dia do diagnóstico…
Aquele foi o dia em que passei a minha vida em filme, em que analisei se fui feliz, o que consegui fazer, e acima de tudo, o que deixarei de mim para os que amo.
Tenho três filhos, e a verdade é que passei o dia a pensar o que seria da vida deles sem mim e o que poderia fazer já para lhes deixar o mais possível do meu amor e do meu afeto.
Aquele dia mudou a minha pessoa para sempre. De certa forma, acordou-me do transe em que estava. Um típico ciclo de preocupações laborais, consumistas e fúteis em que nos embrulhamos sem percebermos bem como ou porquê.
Eu estava em casa, quando recebi o telefonema do médico. Quando ele acabou de falar e desliguei o telefone, aparentemente muito calma e educadamente, não sabia onde estava. A divisão levantou voo e deixei-me cair no chão. O mundo lá fora continuou a girar, mas eu… eu ali fiquei durante horas sem conseguir raciocinar corretamente.
Existem sempre coisas que gostaríamos de ter feito de forma diferente na nossa vida, mas o passado fez de nós o que somos e o que interessa é levantarmos e vivermos o presente. Nem sequer o futuro deverá ser razão para nos afundarmos em preocupações e ciclos de stress exacerbados, pois esse ninguém o conhece. É preciso viver o agora, aproveitar o que temos, amar os nossos e sorrir e dar ao mundo o melhor de nós.
Foi um ano muito duro, e muitas vezes eu me perguntei porquê, por não achar que o merecesse. Mas bem sei que a doença não escolhe carácter, indigna essa que colhe tantos corações lindos. E a luta ainda não acabou, os danos são reais e permanentes… e a dor é profunda e apenas percebida pelas colegas de luta – mãe, parceiras de tratamento, estranhos com quem partilhámos lágrimas no IPO…
Mas bonitas amizades surgiram entre tratamentos e desabafos, e crescemos com tudo isto. Enchemos o coração e seguimos em frente. Que a vida continua sim. Diferente, sim. Um sabor bem mais intenso, uma vontade bem mais real e um valor imensuravelmente mais bonito e significativo.
Por isso, estou na minha varanda a beber um café ao sol e a ouvir os pássaros. E daqui a pouco vou buscar as minhas filhas à escola com um grande sorriso e dar-lhes um grande abraço, como se fosse o último ou o primeiro de muitos.
Venha mais um ano.
Respira e Não Pira.
Há 5 anos