21 de novembro de 2019

A máscara do amor

O cancro tem vindo a invadir o meu corpo e e a dominá-lo.
Mas enquanto ainda existe um pouco de mim, há que aproveitar para deixar por cá a minha essência.

O cancro está, para além dos outros locais já conquistados,  no meu cérebro.
Vou começar próxima segunda tratamentos diários de radioterapia ao cérebro.
Lá volto a ser a mulher da máscara do pânico..

Vão tentar não atingir o hipocampo -memoria e concentração. Mas corro riscos.
Não poderei estar desacompanhada pois pode ocorrer perda de consciência ou desmaio ou convulsão como da outra vez.

E o cabelo vai cair, mas que importa isso ahaha.

Deixei de perguntar quanto tempo posso ter. Sinceramente, é injusto para todos. Para nós que já sofremos o suficiente e para os médicos que estão tão frustrados e enraivecidos como nós.

Segunda-feira fiz uma biópsia para estudarem se houveram mutações e se sim se será possível combater de alguma forma com as as novas coisas que têm aparecido.
Mas imaginam a quantidade de vezes que já ouvi isto? Qual o tamanho da  nossa frustração ao já não conseguirmos acreditar em nada?
A médica que me fez a biópsia não me conhecia. Às páginas tantas, pediu licença e disse que já voltava. Qual o meu espanto que teria saído para chorar.

Somos todos humanos e todos sentimos.
O sofrimento e a felicidade espalham-se em cadeia e deixam marcas.
Porque, no fundo, somos um só organismo.
Quando colocamos de lado o ego e tudo o que esse nos traz de mau como o egoísmo, a inveja, o julgamento precoce dos outros...
Quando colocamos de lado todas essas máscaras de proteção do nosso ego, tanto rimos às gargalhadas como choramos como criança e a intensidade é incrível.
Porque no fundo, todos sabemos que está lá tudo, sempre presente em nós, só que abafamos diariamente tudo como forma de proteção ou simplesmente por hábito.

Abre os olhos quando sais à rua, vê as pessoas, a natureza, os animais, tudo está a comunicar contigo.
E não digas que tens medo, porque ninguém tem mais medo do que eu e mesmo assim só quero dizer a todos que vos amo muito e que o meu amor não vai desaparecer, fica cá para vocês!


28 de setembro de 2019

Undertow

Não tenho escrito sobre mim, pois esta é uma condição de altos e baixos... E quem eu sou desaparece por vezes debaixo de tanta dor.

As últimas semanas foram duras.
Ontem vi um anúncio na rua a um novo Rambo... É este nível de duras 😂
E uma vez que voltei a conseguir gozar comigo mesma, tudo ok para voltar a escrever.

É trauma de infância mesmo hehe
A minha mãe criou-me para ser dura mesmo e apesar de nunca imaginarmos que estaria um dia nesta condição, a luta dela contra a mesma doença há 30 anos atrás e a sua postura de lutadora e mulher hirta anos a fio contra isto, preparou-me para ser quem sou hoje.

Estás mais velha mamã e mais sensível e às vezes agora até mais fraca que eu, mas arrebita, lembra-te da força que sempre tiveste e mantém-te assim para me conseguires levantar quando estiver mais em baixo. Lembra-te que és uma vencedora e ainda cá estás para contar a batalha.

O meu invasor arranjou forma de ignorar os últimos tratamentos e conseguiu alastrar-se pelo meu território...
Em julho comecei a ficar cega e apesar de médica e marido comentarem que era muito raro, eu aceitei logo que era a doença.
Eu sinto o meu corpo, as dores a aumentarem, o peito a apodrecer ao espelho, a cegueira a afectar equilíbrio e locomoção...
Confirmou-se depois o que já sabia, metástase atrás do olho direito e seguiram-se tratamentos à cabeça antes de me encaminharem para novas medicações em busca de um travão a este invasor...

Estes tratamentos muito em cima do cérebro têm consequências, evidentemente.
E com o extra de fazer três exames com contraste radioactivo injectado no corpo no espaço de duas semanas, culminou em muito mau estar, dores, vómitos e muita depressão na última semana.
Perdi 4 kgs numa semana, não conseguia fazer muito mais do que vomitar e pedir para morrer.
Mas no fim do dia, garanto, sempre me arrastava para fazer comida e receber os meus filhos com um abraço.
Faço lá eu ideia de onde vinham estas forças, mas para eles eu sorria.

Ontem tive um início de convulsão cerebral.
Felizmente estava no hospital para fazer análises ao sangue e fui assistida.
Foi, sem dúvida um episódio assustador e estranho.
Já não estava bem à dias e as dores de cabeça e tonturas eram constantes.
Caminhava no corredor, de mão dada com o meu marido, comecei a fechar os olhos e não conseguia abri-los. Ainda caminhei até ao fim do corredor sem saber quando iria cair.
O Nuno sentou-me numa cadeira.

E ele diz que não passou muito tempo e que parecia estar a dormir ou a descansar.
Do meu lado, passou muito tempo e eu batalhava para tentar abrir os olhos, para mexer os dedos, a mão, e falava na minha cabeça a pedir-lhe que chamasse a médica e pedisse ajuda.
Sabe-se lá porquê só falava francês e depois apercebi-me que não estava a falar, era só a minha voz na minha cabeça mas ele não me ouvia. E senti-me a ir cada vez mais fundo.
Deixei de sentir dores, deixei de tentar falar e senti-me a afundar e a desaparecer.
O meu cérebro estava literalmente a desligar.
Não sei como, consegui abrir os olhos e fiz sinal . O Nuno chamou as enfermeiras e levaram-me para dentro numa cadeira de rodas.
Faziam perguntas mas eu ainda não conseguia falar e de repente senti-me de volta ao mundo, de volta às dores e comecei a chorar convulsivamente.
Só consegui começar a falar minutos depois com bastante pânico.
O Nuno sentou-se perto de mim e disse "je suis ici" e eu fiquei pasmada, nem ele sabe porque falou em francês, saíu-lhe.
De volta a chorar...
Eu que raramente choro, aha, até às enfermeiras tinham ar de espanto. Mas era o meu sistema a voltar a si, tremia e chorava.
A médica disse-nos que é comum nestes tratamentos perto do cérebro haver edema cerebral como consequência e estou agora a tomar cortizona.

Quando, finalmente, tive forças para me levantar, desapareceram as lágrimas e voltou a guerreira da mamã.

Próxima semana vou começar um tratamento experimental.
120 pessoas no mundo fazem parte deste ensaio com uma droga apenas ainda testada em 50 pessoas.

Qui sera, sera.

A todos os amigos que me têm contactado nas últimas semanas sem grande resposta da minha parte, desculpem.
Não é possível ter sempre o fato de heroína vestido e apesar de serem sempre bem intencionadas as mensagens, eu não sou mais do que um ser humano normal, fraco, doente e deprimido que nem sempre consegue ouvir dizer "vais vencer, és uma guerreira" sem ficar às vezes ofendida.
Nada contra os amigos, mas todos sabemos que não há nada para vencer já, apenas tempo a ganhar.
E eu própria me iludo, acreditem, quando estou melhor e faço de conta.

Mas aqui só há um dia de cada vez e uma família que tenta desesperadamente fazer de cada um desses dias, o melhor que há.

Beijinhos 😘





24 de junho de 2019

Tranquilidade no caos

Hoje vou fazer o exame ao corpo todo, para compararem com o de Janeiro e avaliarmos o estado de todo o meu ser físico, após 5 meses de quimioterapia e injeções de indução de menopausa.

O céu está fechado, cinzento, chove, e um denso nevoeiro teima em fazer presença.
Ao contrário dos exames anteriores, eu estou calma e serena.
Não me sinto ansiosa nem a fraquejar na imaginação de cenários hipotéticos que nos consomem as emoções e o cérebro como se reais fossem.
Tenho dormido mal com dores estas últimas semanas. Mas acordo sempre para mais um dia de nova vida para experienciar e aproveito o máximo que posso.

É normal termos ansiedade e deixarmos a nossa mente afundar-nos em cenários porque somos um ser pensante e o nosso ego faz-nos querer grandeza até na desgraça.
Mas é preciso percebermos e relembrarmo-nos todos os dias que tal não é saudável nem faz sentido. Essa auto comiseração que propósito tem para além de alimentar o ego no típico "coitadinha" que tanto procuramos numa tentativa de fugir aos problemas e disfarçar os mesmos com as nossas máscaras sociais ...
Acordei sem máscaras hoje, a minha face suave, tranquila e ao sabor do mar que me acompanha na marginal.
Apesar do céu fechado e escuro, o mar está tranquilo e natural na sua beleza e movimentos naturais e inevitáveis que todo o planeta e a sua lua embalam.

Por que usamos máscaras e deixamos a mente fazer tantos filmes? É o nosso desejo de termos alguma sensação de controlo desta viagem.
Mas teremos mesmo algum controlo?
Sim, podemos escolher sermos melhores seres, com mais empatia pelo planeta, pessoas, animais e plantas e viver em harmonia com a energia que nos envolve e da qual fazemos parte.
No fundo o planeta, é um ser e fazemos todos parte dele, a energia é de todos e todos a alimentamos e sentimos.
E no fundo, ninguém controla nada.

Mas nós insistimos em construir imagens e materiais que iludem a nossa mente para nos darmos mais crédito como seres, para sentirmos mais controlo e alimentarmos um falso propósito de existência.

Quando basta observar os outros seres e perceber que a existência é tão simples e que a felicidade está sempre dentro de nós.

Eu cá me embalo nas correntes e beleza do planeta e confesso, mais interessada nos ingredientes que vou colocar no meu bolo de anos amanhã do que num exame médico que não controla a minha felicidade.

Não importa quanto tempo temos, mas sim como vivemos o tempo que temos.
Obrigada Mãe natureza por mais um ano completado. 40 faço amanhã e que vida incrível eu já tive e ainda terei, todos os dias.
😍😍😍