28 de setembro de 2019

Undertow

Não tenho escrito sobre mim, pois esta é uma condição de altos e baixos... E quem eu sou desaparece por vezes debaixo de tanta dor.

As últimas semanas foram duras.
Ontem vi um anúncio na rua a um novo Rambo... É este nível de duras 😂
E uma vez que voltei a conseguir gozar comigo mesma, tudo ok para voltar a escrever.

É trauma de infância mesmo hehe
A minha mãe criou-me para ser dura mesmo e apesar de nunca imaginarmos que estaria um dia nesta condição, a luta dela contra a mesma doença há 30 anos atrás e a sua postura de lutadora e mulher hirta anos a fio contra isto, preparou-me para ser quem sou hoje.

Estás mais velha mamã e mais sensível e às vezes agora até mais fraca que eu, mas arrebita, lembra-te da força que sempre tiveste e mantém-te assim para me conseguires levantar quando estiver mais em baixo. Lembra-te que és uma vencedora e ainda cá estás para contar a batalha.

O meu invasor arranjou forma de ignorar os últimos tratamentos e conseguiu alastrar-se pelo meu território...
Em julho comecei a ficar cega e apesar de médica e marido comentarem que era muito raro, eu aceitei logo que era a doença.
Eu sinto o meu corpo, as dores a aumentarem, o peito a apodrecer ao espelho, a cegueira a afectar equilíbrio e locomoção...
Confirmou-se depois o que já sabia, metástase atrás do olho direito e seguiram-se tratamentos à cabeça antes de me encaminharem para novas medicações em busca de um travão a este invasor...

Estes tratamentos muito em cima do cérebro têm consequências, evidentemente.
E com o extra de fazer três exames com contraste radioactivo injectado no corpo no espaço de duas semanas, culminou em muito mau estar, dores, vómitos e muita depressão na última semana.
Perdi 4 kgs numa semana, não conseguia fazer muito mais do que vomitar e pedir para morrer.
Mas no fim do dia, garanto, sempre me arrastava para fazer comida e receber os meus filhos com um abraço.
Faço lá eu ideia de onde vinham estas forças, mas para eles eu sorria.

Ontem tive um início de convulsão cerebral.
Felizmente estava no hospital para fazer análises ao sangue e fui assistida.
Foi, sem dúvida um episódio assustador e estranho.
Já não estava bem à dias e as dores de cabeça e tonturas eram constantes.
Caminhava no corredor, de mão dada com o meu marido, comecei a fechar os olhos e não conseguia abri-los. Ainda caminhei até ao fim do corredor sem saber quando iria cair.
O Nuno sentou-me numa cadeira.

E ele diz que não passou muito tempo e que parecia estar a dormir ou a descansar.
Do meu lado, passou muito tempo e eu batalhava para tentar abrir os olhos, para mexer os dedos, a mão, e falava na minha cabeça a pedir-lhe que chamasse a médica e pedisse ajuda.
Sabe-se lá porquê só falava francês e depois apercebi-me que não estava a falar, era só a minha voz na minha cabeça mas ele não me ouvia. E senti-me a ir cada vez mais fundo.
Deixei de sentir dores, deixei de tentar falar e senti-me a afundar e a desaparecer.
O meu cérebro estava literalmente a desligar.
Não sei como, consegui abrir os olhos e fiz sinal . O Nuno chamou as enfermeiras e levaram-me para dentro numa cadeira de rodas.
Faziam perguntas mas eu ainda não conseguia falar e de repente senti-me de volta ao mundo, de volta às dores e comecei a chorar convulsivamente.
Só consegui começar a falar minutos depois com bastante pânico.
O Nuno sentou-se perto de mim e disse "je suis ici" e eu fiquei pasmada, nem ele sabe porque falou em francês, saíu-lhe.
De volta a chorar...
Eu que raramente choro, aha, até às enfermeiras tinham ar de espanto. Mas era o meu sistema a voltar a si, tremia e chorava.
A médica disse-nos que é comum nestes tratamentos perto do cérebro haver edema cerebral como consequência e estou agora a tomar cortizona.

Quando, finalmente, tive forças para me levantar, desapareceram as lágrimas e voltou a guerreira da mamã.

Próxima semana vou começar um tratamento experimental.
120 pessoas no mundo fazem parte deste ensaio com uma droga apenas ainda testada em 50 pessoas.

Qui sera, sera.

A todos os amigos que me têm contactado nas últimas semanas sem grande resposta da minha parte, desculpem.
Não é possível ter sempre o fato de heroína vestido e apesar de serem sempre bem intencionadas as mensagens, eu não sou mais do que um ser humano normal, fraco, doente e deprimido que nem sempre consegue ouvir dizer "vais vencer, és uma guerreira" sem ficar às vezes ofendida.
Nada contra os amigos, mas todos sabemos que não há nada para vencer já, apenas tempo a ganhar.
E eu própria me iludo, acreditem, quando estou melhor e faço de conta.

Mas aqui só há um dia de cada vez e uma família que tenta desesperadamente fazer de cada um desses dias, o melhor que há.

Beijinhos 😘





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