23 de agosto de 2018

FODEU

BOOM!

Os ouvidos fazem "piiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii"...

Deixo de ouvir o médico em pleno, ele continua a falar, eu aceno mecanicamente mas a minha alma está meia fora do corpo.

O coração acelera, sinto tonturas, e todo o meu ser arde num misto de dor e raiva.
Não há medo, há frustração. Por não ter direito a tempo, a planos, a futuro.

É a isto que ficamos reduzidos quando o cancro nos domina. Paramos de viver.
 E eu bem conheço estes sentimentos, não os queria de volta mas a puta da vida não é meiga comigo e há muito decidiu foder-me o juizo.

A minha mãe diz "grita, solta a raiva toda mas depois luta."
Vou tentar mamã, vou tentar.

Mas sim, agora deixa-me soltar esta raiva toda.
Obrigada.

8 de agosto de 2018

O Super Corpo em mim


Devo louvar este meu corpo.

Tantas agruras e males já nele infligidos. Forçado a suportar tanta intensidade de vida.

Devo agradecer-lhe a sua bravura, que por vezes em espirito me faltou a mim a esperança mas a ele nunca o demoveram os cenários diversos desta roda-viva que é viver.

Viver não é só sofrer, também é amar, rir, abraçar e brincar. Este meu bravo corpo foi capaz de me proporcionar tudo isso e cá estará para me defender mais uma vez.

Mutilada, cansada, empurrada para o ringue novamente, mas mãe, filha, mulher e viva, bem viva e bem vivida.

Obrigada.


4 de outubro de 2017

Céus... é um mix de emoções, nem sei bem como estar feliz hoje mas ao mesmo tempo só existem motivos para sorrir! Estranhamente, só me apetece desatar a chorar.

Saí agora da consulta de oncologia.

Ano e meio em tratamentos da pesada, cirurgias e radioterapias, injeções dolorosas durante meses e uma incógnita sempre a pairar sobre mim.
Em Setembro terminei todos os tratamentos e realizei exames, hoje tive o aval oficial da médica - estou em remissão. Só cá volto em Janeiro para checkup.
A médica brincou a dizer para eu não me atrever a voltar ao IPO antes disso e só cá venho para dizer olá e dar um beijinho.
É muito engraçado todo o ambiente...mas...

Isto não é certeza de nada, não garante nada. É, mais uma vez uma celebração de uma boa fase, de uma boa saúde atual. No fundo, todos estamos ao dispôr das doenças e acidentes, certo?
Serei sempre uma doente oncológica, com possibilidades estatisticas de reincidências.
Mas serei sempre humana com todos os outros e volto a enfrentar as mesmas probabilidades do ser comum.

Eu sei, e quem me conhece sabe bem também, que sou muito positiva, e viver a sério faz parte de mim. Mas não deixo de ser frágil, não deixo de ter os meus momentos de dúvida e dor.

As mazelas físicas e psicológicas fazem já parte de mim e moldaram a minha pessoa.
Mutilada, com dores constantes, sem dormir 3 horas seguidas há mais de 1 ano, e muitos fantasmas.
Ninguém, a não ser as minhas companheiras de luta percebem exatamente do que falo.

Quando a morte vive connosco tanto tempo e tudo nos parece finito e curto, é impossível voltar simplesmente à pessoa que era antes.

Não é possível esquecer todo este processo, todas as caras de sofrimento com quem criámos relação no IPO, todas as crianças que vimos a passar pelo processo ao nosso lado, todas as amizades que fizemos entre doentes, todas as vezes que queriamos gritar de dor mas sorrimos para apaziguar os que nos amam e todo sofrimento que contivemos dentro de nós para mantermos o equilibrio de toda a familia...

Desculpem o desabafo, mas pôrra, que não hajam dúvidas da grande mulher que sou!
Lutei, sobrevivi, sorri e amei e cá estou para continuar aproveitar cada segundo, cada dia e cada sorriso.

Obrigada a todos os que me deram força!
E muita força para todas as mulheres que estejam a passar pelo mesmo processo!

E cá vou desatar a chorar, para libertar tudo o que me vai cá dentro.