21 de janeiro de 2009

Saudade!

Saudade é rasgo de alma, falta de pedaço de nós mesmos que sabemos pertencer-nos mas que não se acusa fisicamente no momento.

Palavra incrivelmente genuína e portuguesa, essa sem tradução literal em tantas outras línguas. Provém do latim "solitáte", solidão. Mas não é o mesmo que solidão, porque não implica que não estejamos bem com o mundo e com a pessoa ou objecto da nossa saudade.

Dita a lenda que terá sido cunhada na época dos Descobrimentos no Brasil, utilizada para definir a solidão dos portugueses numa terra estranha, longe dos seus entes queridos.

É definida como a melancolia causada pela lembrança; a mágoa que se sente pela ausência ou desaparecimento de pessoas, coisas, estados ou acções. No entanto, para mim, também não é melancolia, pelo facto de não se associar necessariamente a algo que não voltemos a sentir ou reencontrar, antes apenas a algo que amamos e desejamos repetir em acção e sensação.

Bela é a sua fonética e triste a sua sensação que nos faz correr rios de lembranças pela face em simultâneo, ainda que subtil, sorriso incontrolado.
Inequivocamente, como seres sociáveis que somos, é-nos impossível não nos apegarmos uns aos outros. No entanto, e sem qualquer dúvida, a alguns associamo-nos com intensidade estranhamente destinada, sem explicação que não soe a obtusa lei imposta pelos que não se aventuram no desconhecido sem intenção de afirmação de si mesmos. São essas associações e partilhas que, de tão genuínas, nos enchem a alma de SAUDADE!

Não tenciono nem necessito de me provar ao Mundo e a ele me dou sem que o mesmo me tenha de retribuir algo. A dádiva de nós mesmos aos outros é acto unicamente humano, pelo que acredito na plena sensação de genuinidade ao fazê-lo sem intenção medíocre preenchida de nada mais que puro egoísmo.

Pedaços de mim mesma, por mim atirados aos ventos, agarrados com paixão pelos que me tocaram, roubados sem que por eles reclame, na esperança de um dia receber um pedaço de alguém com sabor a genuíno abrir de alma, liberto de obrigatoriedades de pertença e repleto de incondicionalismo.

Saudade é sentimento constante, que nunca se perde. Quando se ama alguém ou algo, jamais poderemos extinguir a saudade que nos assolará na sua ausência vezes sem conta até ao final dos nossos dias. Talvez advenha desta conclusão, a expressão “matar saudades” que nos satisfaz um desejo de reencontro connosco mesmos; ao nos cruzarmos com esse pedaço de nós mesmos que deixámos colados a alguém ou a algum sitio. A satisfação de tal necessidade causa-nos prazer tal que amanhã a saudade só poderá ser maior ainda.

Logo, amigos, a Saudade não é mais que uma bela Ressaca! LOL

A palavra portuguesa "saudade" foi considerada como o sétimo vocábulo estrangeiro mais difícil de traduzir, segundo uma votação realizada por mil linguistas, levada a cabo pela agência londrina de tradução e interpretação Today Translations:

http://www1.folha.uol.com.br/folha/bbc/ult272u398210.shtml

A mais votada foi "ilunga", de uma língua falada numa região da República Democrática do Congo e que significa "uma pessoa que está disposta a perdoar qualquer abuso pela primeira vez, a tolerar uma segunda vez, mas nunca uma terceira vez". Incrível, a mensagem veiculada numa só palavra!

Em quase todas as línguas existem formas de exprimir que se sente falta de alguém ou de algo, mas a palavra como nome, substantivo, sentimento, raramente é expressada linguisticamente como no Português. Na gramática, Saudade é substantivo abstrato, tão abstrato que só existe na língua portuguesa.

Espanhol: soledad
Catalão: soledat
Galego: morriña (saudades de casa)
Romeno: Dor (A nossa dor, foneticamente em romeno diz-se: Dorere)
Italiano: mi manchi ou Ho nostalgia di te
Inglês: Missing or longing
Hebraico: Diz-se :ga-agua, e no plural- saudades-- ga-agu-im
(mas as letras sao diferentes do portugues)
Francês: Manquer
Alemão: ich vermisse dich (tenho saudades tuas)
Crioulo de Cabo Verde: Sodade

Todas estas expressões estrangeiras não definem o que sentimos. São apenas tentativas de determinar esse sentimento que nós mesmos não sabemos exactamente o que é. Não é só um obstáculo ou uma incompatibilidade da linguagem, mas é principalmente uma característica cultural daqueles que falam a língua portuguesa.

O fado e a saudade são rasgos da língua, portanto, e não dos povos ou das pessoas: é algo que só a língua portuguesa nomeia, e essa designação descreve um sentimento complexo, por vezes fatalista e por vezes melancólico. A linguagem é criadora de realidades. A linguistica é gerada por épocas, vivências, e sentimentos partilhados por uma nação.

Saudade é um registo fiel do passado. É a prova incontestável de que tudo o que vivemos ficou impresso na nossa alma. Ao confessarmos uma saudade, na verdade, vangloriamo-nos de que, ao menos uma vez na vida, conhecemos pessoas e vivemos situações que foram boas, e que a sua lembrança será eterna. Nutri-la, é alimentar o espírito e a própria existência.

Acredito que sentir saudades é sinónimo de viver, de nos darmos ao mundo, de termos lembranças que valem a pena recordar. Eu recordo as minhas com grandes sorrisos, sempre.

Não obstante as mil saudades que mais guardo dentro de mim, cá me confesso como pronta a criar novas saudades que me preencham o coração e a alma mais um pouquinho!

Fica, por fim, uma citação de um dos meus escritores preferidos:
Em “O outro pé da sereia”, o moçambicano Mia Couto escreve:
“A saudade é um morcego cego que falhou o fruto e mordeu a noite”!

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