22 de fevereiro de 2009

Mais uma das minhas viagens a lugar nenhum!

Decidira tirar um dia para si mesma.

Por mais amor que sentisse para com todos aqueles de quem cuidara incondicionalmente durante anos, o seu coração apertado e vazio gritava mais alto e pedia-lhe, suplicava-lhe, que desatasse a correr até chegar a um campo verde onde fosse capaz de respirar apenas as suas próprias necessidades.
A sua mente exausta se encontrava e nada mais era capaz de replicar, muito menos comunicar. Os processos levantavam demasiadas questões, robóticas acções de comunicação para alguns que para ela se haviam tornado em processos estatalmente burocráticos.

O mundo tem acelerado cada vez mais nas últimas décadas. A força da tecnologia e da informação tornou-nos conhecedores precoces da nossa insignificância.
A maturidade só depende da nossa força de vontade de usufruto desta sabedoria ao nosso dispor. Idade já não é expoente de sabedoria. Essa viverá em quem a acolher e receber com humildade. É preciso distanciarmo-nos da velocidade dos anos e focarmo-nos na nossa paz de espírito. Hoje em dia, a pressão é ainda mais precoce. A sociedade distingue-nos, separa-nos, cataloga-nos e atira-nos aos lobos sem piedade. Mas as escolhas feitas durante o processo da nossa própria criação foram exclusivamente nossas, não hajam dúvidas e não se façam conspirações em protecção da vítimização dos fracos.

A nossa era é mais directa, os processos de crescimento são mais intensos e as mudanças tanto biológicas como psicológicas são mais fortes. Aceitarmos os nossos erros e defeitos sempre foi sinal de sabedoria. Mas as revoluções fizeram-nos querer sempre mais, tornaram-nos cada vez mais sedentos, ambiciosos e cientes das nossas possibilidades. Já não nos retemos na conformidade. A idade já não é nem deverá ser nem causa nem consequência para a inércia, como desculpa para não nos corrigirmos. É bonita a aceitação de nós mesmos e dos outros; mas a evolução é nada mais que inevitável e espreita a cada novo nascimento.

Vestiu o que de mais confortável encontrou. Um vestido de algodão que lhe tirava dez anos de cima e a levava de volta à sua ingenuidade perdida. Estava decidida a passar um dia inteiro no meio de multidões consigo mesma, apenas. Iria passear pela cidade como nunca o fazem os que a viram nascer e os que sempre lá viveram.

Caminhava quase como que hipnotizada pelos seus próprios pensamentos. Perguntava-se mil coisas e respondia-se sem preconceitos, como nos é apenas genuinamente possível fazer connosco mesmos.

Era reconhecível a emergente e imperativa necessidade de fazer um backup e formatar o disco operativo. Precisaria de tempo para renistalar todos os programas necessários e para levar a cabo todos os upgrades pretendidos, de forma a poder voltar a funcionar racionalmente e poder, quem sabe, talvez, adquirir novas funcionalidades ou até novo software que a dotasse de mais ligeireza nos movimentos.
Seguia a pé pelo meio das gentes, agora já se rindo da sua própria analogia.

Apanhou o comboio e reentrou num mundo paralelo que bem conhecia, mas do qual a memória já havia sido zipada. Tinha-se tornado num daqueles ficheiros que sabemos ter guardados, mas aos quais não acedemos por já se encontrarem em formatos de arquivo que exigem tempo e atenção que não conseguimos dispensar diariamente.

No comboio, as pessoas lá se encontravam paradas no tempo. As que olham através dos outros e nem se interessam por tal espaço temporal. As que usam tal espaço como sala de espera, ensaiando as suas acções e pensamentos futuros. As que simplesmente dormem no seu processo. As que vivem para tal momento onde não deixam escapar vivalma, analisando todos os seres, que partilham o mesmo espaço, da cabeça aos pés. E ainda, os que transparecem estar a questionar-se da mesma forma que ela o fazia.

Em tantas viagens já se tinha aventurado em tal comboio, que certa era a sua encarnação em todas essas personagens. Conhecia-as bem e de todas, ou seja, de si mesma já se havia rido.

No entanto, naquela manhã, nenhuma delas lhe despertava mais atenção que o mar que acompanhava a linha apaixonado pela areia que abraçava docemente.

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